Lançado em fevereiro de 1936 na cidade de Nova Iorque, o filme
“Tempos Modernos”, do célebre diretor e ator britânico Charlie Chaplin,
causou imediata repulsa do governo norte-americano à época, ao mesmo
tempo em que provocava admiração por ter descortinado, com muito humor e
refinada ironia, as contradições do modo de produção capitalista, assim
como o conjunto de relações determinadas no contexto da grande crise
econômica de 1929.
Considerado por muitos críticos de cinema como um dos melhores filmes
do século XX, “Tempos Modernos” marcou o fim da saga do personagem
Carlitos e foi o último longa-metragem mudo do cinema, apesar de, em
algumas cenas, Chaplin ter inserido sonoridade, como na parte final, em
que ele canta em francês, espanhol e italiano. “Tempos Modernos” foi o
primeiro filme na era da grande indústria cinematográfica a desenvolver
uma contundente crítica aos efeitos imediatos do processo de
industrialização desencadeado após a chamada 2ª Revolução Industrial, ao
mesmo tempo em que pautava, através do humor, as contradições do modelo
fordista de produção, então exaltado como padrão de desenvolvimento
produtivo e base para a sustentação do modo de vida consumista burguês, o
denominado “American way of life”.
A exaustão humana desencadeada pelos esforços repetitivos na linha de
produção, levando ao limiar da loucura, o uso da ciência e da alta
tecnologia como ferramentas para otimizar a dominação na indústria, a
alienação e o aumento do desemprego estrutural foram sarcasticamente
tratados nesse filme. Em diversas cidades norte-americanas e europeias, o
filme foi censurado, causando a Chaplin constrangimentos políticos e
prejuízos financeiros. Por fazer alusão ao movimento grevista e ao
comunismo, num período em que vicejava o patrulhamento ideológico no
universo da arte, antes mesmo do macarthismo do pós-guerra, o
Departamento de Segurança dos EUA promoveu restrições ao filme e boicote
à captação de recursos para outras obras de Chaplin. Durante algum
tempo, o cineasta foi alvo de investigações sob a suspeita de propaganda
comunista.
Chaplin, mesmo sem ter sido marxista, destacou o fetiche da
mercadoria em cenas tais como os momentos em que o personagem Carlitos e
a menina órfã sonham com uma vida melhor, cujos referenciais de
felicidade, conforto e luxo são os parâmetros difundidos pela burguesia,
objetos de desejo inacessíveis à classe trabalhadora, imersa na
realidade de trabalho desumano, miséria e violência social, tornada
ainda mais insuportável em tempos de crise capitalista.
O filme é irônico até no título, pois toda a modernidade enaltecida
naquele período de expansão tecnológica encobria a trágica decadência
dos padrões de sociabilidade humana, com as pessoas embrutecidas por uma
vida sem sentido, em que o próprio tempo se subordina ao ritmo mecânico
da lógica produtivista, voltada unicamente a atender as necessidades do
mercado. A primeira cena é um grande relógio ditando o ritmo dos
trabalhadores rumo à fábrica, comparados a animais a caminho do
abatedouro.
Passados oitenta anos, “Tempos Modernos” mantém-se atualíssimo, pela
denúncia da alienação imposta pelo sistema capitalista e dos
instrumentos de dominação integrados à exploração do trabalhador,
facilmente associados, nos dias atuais, aos mecanismos da racionalização
produtiva presentes na automação, na terceirização, no fracionamento
das unidades produtivas e na mercantilização das relações humanas. Mas,
para além da necessária denúncia, o filme não deixa de apontar a
esperança de superação da barbárie, principalmente através da
solidariedade entre os trabalhadores.
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