A história de Pirambu gira em torno
desta atividade que movimenta a economia e os desdobramentos sociais e
políticos ao longo de sua existência (1)
Por Claudomir Tavares * | claudomir21@gmail.com
1. Antecedentes:
A
pesca em Pirambu está relacionada com a sua origem. Já no início do seu
povoamento, era essa a principal atividade de sua população que pescava
às margens dos rios, lagoas e a beira do mar. O marco dessa atividade
tem início com a criação da Colônia de Pescadores, não nos moldes atuais
de organização de classe, em 30 de novembro de 1911, uma vez que “a
idéia de Colônia de Pescadores se concretizou a partir de 1917”. (MA,
1983).
No final do século XIX e na primeira metade do século XX a pesca e a
agricultura eram baseadas na troca de produtos: os que pescavam, trocava
peixe por farinha, abóbora, feijão, milho. “A atividade agrícola rendia
a moeda que movimentava a economia pirambuense”, segundo João Castelo.
Os meios de transportes e estradas eram precários ou inexistentes
neste período e a vinda de produtos industrializados era algo de luxo,
não chegando a fazer parte da relação de produtos a serem adquiridos
pelos pescadores.
As casas eram na ampla maioria de taipa e cobertas de palha, ruas de
areia e sem energia elétrica ou água encanada. Era uma colônia de
pescadores na essência do nome, com apetrechos de pesca fazendo parte da
paisagem quando não estavam sendo usados na atividade pesqueira.
2. Novos elementos:
Daquele momento para cá, pouco mudou na atividade pesqueira que tinha
seu forte no rio Japaratuba e na modalidade tida como de subsistência. O
tipo camponês-pescador era predominante durante todo o século XX,
segundo a professora Gicélia Mendes. Ele alternava a atividade pesqueira
com a agrícola, numa simbiose que alterava aquela relação de troca do
início do século, sendo acrescida ainda à venda de produtos nas feiras
livres de Japaratuba, Carmópolis, Capela, Maruim e Itabaiana, incluindo
um elemento a mais no eclético camponês-pescador pirambuense. Eram
utilizados redes, três maiôs, tarrafas, covos, puçás, groseiras, cuvus,
jererés, camboas, e a canoa como transporte que viabilizasse boa parte
da pesca com estes apetrechos de pesca.
3. O mar como saída:
A mudança mais significativa só veio surgir a partir da década de 70,
com o surgimento da Pirambu Pesca (1976), da SUDEPE (1977) e da
EMATER/SE (1978). A pesca ganha um novo impulso com a chegada do
primeiro barco de pesca, o Cruzeiro do Sul, em 1976, substituindo a
canoa que pertencia ao senhor Abelardo do Nascimento. Era o prenúncio da
pesca industrial que seria implementada na década de 80.
Alguns atores sociais foram imprescindíveis nesta nova fase da pesca
em Pirambu, sendo imprescindíveis citá-los para entender melhor esta
história.
A EMATER/SE – Empresa de Desenvolvimento Agro-Técnica de Sergipe
tinha atuação em Pirambu e adquiriu um barco, o Pelicano, em 1978,
passando a explorar a atividade de pesca. Atualmente a Endagro – Empresa
de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe com escritório em Japaratuba
substitui a Emater-Se, mas sem atuação na pesca.
A SUDEPE – Superintendência de Desenvolvimento da Pesca chegou a
possuir escritório em Pirambu, chefiado pelo engenheiro de pesca José
Wilton Linhares Gomes, até que em 1988 houve a fusão com o IBDF –
Instituto Brasileiro para o Desenvolvimento Florestal, dando origem ao
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis.
A Pirambu Pesca foi à primeira tentativa de organização social bem
sucedida em Pirambu. Organizada por um grupo de pescadores em 1976,
funcionou na Rua Propriá (Atalainha), comprando um barco de pesca, o
Cruzeiro do Sul. Com o apoio dos belgas Charles Watrin, Etiene Poncin e
Gerard Olivier, as atividades da entidade envolviam ainda os pescadores
Abelardo do Nascimento (Bebé), Antônio Vieira Nunes, Gilvan do
Nascimento, Antônio Oliveira (Toinho de Izaltina) e mais Tutu e
Bandurra. Em 1978 mais um barco foi adquirido, o Céu Azul.
Posteriormente chegaram a Pirambu os seguintes barcos: Pelicanos, da
Emater/SE, o Espadarte, do senhor Adalberto dos Santos – 1979, o
Cruzeiro V do senhor Geniro dos Santos, o Monte Maul do senhor Tureba e o
Catedral do senhor Gildinho – 1980; o São Geraldo, também conhecido
como Gigantão, da Pirambu Pesca, o Joelma do senhor Luís dos Anjos e o
Unidos, do senhor Adalberto dos Santos Filho – Foram, portanto estes os
primeiros 10 barcos de Pirambu. O prédio da Pirambu Pesca localizado na
Rua Tércio Veras foi inaugurado no dia 31 de janeiro de 1981 numa
pomposa festa que teve cobertura da TV Sergipe, exibido em horário nobre
da emissora.
A Colônia de Pescadores Z – 5 foi fundada em 30 de novembro de 1911.
Reorganizada em 06 de julho de 1975 em conformidade com a Portaria nº
471/73 de 26 de dezembro de 1973. A entidade oficializa sua sede à
Avenida Agostinho Trindade em 1983, reconhecida pela Lei Nº 2418 de 25
de abril de 1983. 10 anos depois, em 14 de novembro de 1993, a Colônia
de Pescadores promove uma revisão dos seus estatutos, em vigor,
registrado em 11 de julho de 1994, no cartório do 10º Ofício, em
Aracaju.
CONDEPI – Outras entidades foram de grande importância para o
desenvolvimento da pesca, algumas surgiram, tiveram vida curta, outras
um bom período de atuação em Pirambu, mas nenhuma como o CONDEPI –
Conselho de Desenvolvimento da Pirambu, criado em 1986 através do
FUNDEC/Banco do Brasil, passando a concorrer diretamente com a Pirambu
Pesca, até absorvê-la no final dos anos 80, incorporando prédio,
patrimônio e ações administrativas.
4. A pesca se organiza:
Até primeira metade dos anos 80 pescadores e armadores (donos de
barcos) se organizavam numa mesma entidade na base territorial que
incluía além de Pirambu, os municípios de Carmópolis, Japaratuba e parte
de Santo Amaro das Brotas (povoados Flecheiras e Boa Fé) e Barras dos
Coqueiros (povoados Canal e Touro).
A partir de 1986, com a organização do Conselho de Desenvolvimento de
Pirambu, que tinha entre seus sócios a Associação dos Pescadores de
Pirambu, organizada por José Salviano e José Wilton, os donos de barcos
priorizaram a participação nesta nova entidade, passando a ser
hegemônicos e assumir o seu controle.
Na Colônia de Pescadores as relações se acirraram a partir de 1986.
Neste ano eclode um movimento dos pescadores reivindicando melhores
salários e condições de trabalho provocam o rompimento dos principais
dirigentes da Colônia de Pescadores, José Salviano Machado neto e Josué
Morais de Souza, respectivamente Presidente e Secretário da entidade
eleitos em 1985. O primeiro defendia a classe patronal da qual ele fazia
parte enquanto o segundo estava sintonizado com os pescadores,
categoria que ele assume o comando no movimento dos pescadores, e após
tentativa frustrada em 1987, passa a representá-los na presidência da
Colônia de Pescadores a partir de 1989. Do movimento de 1986, surge a
Associação dos Trabalhadores de empresas de Pesca de Pirambu – ATEPESCA
pró-SINDIPESCA – Sindicato dos Pescadores de Pirambu.
Os pescadores dirigem a Colônia de Pescadores desde então com Josué
Morais de Souza (1989/1991), Milton Nascimento (1991/1993) e Adelmo dos
Santos (1993/95, 1995/97, 1997/99, 1999/2001, 2001/2003 e 2003/2005).
Em 1994 é instalado um Núcleo de Apoio aos Pescadores de Sergipe em
Pirambu, cuja atuação é levada à parceria com o Movimento nacional dos
Pescadores – MONAPE, sediado em São Luís, no Maranhão. O MONAPE atuava
paralela a Confederação Nacional dos Pescadores, que neste momento tinha
uma atuação contestada pela categoria em todo o país e a mobilização
para conquistá-la e entregar aos pescadores era visível. O NAPES teve
vida curta em Pirambu, não sobrevivendo por um ano.
5. Problemas de ontem e de hoje: desafios de hoje e de amanhã:
Os pescadores de Pirambu são literalmente “matadores de leões”. As dificuldades sempre existiram e continuarão a existir.
Os principais problemas enfrentados pelos pescadores eram os famosos
“caxixis”, procedentes dos derramamentos das usinas e destilarias de
álcool no rio Japaratuba, sendo aos poucos ampliados com o início da
atividade petrolífera no Baixo Japaratuba, segundo pesquisa do professor
Gilberto Santos. Aliado a isso, o assoreamento do rio, a falta do
camarão e a falta de apoio e inexistência de políticas consistentes e
não compensatórias e paliativas, tem levado o setor à quebradeira. A
pesca já não resolve as questões de uma economia dependente da mesma. É
preciso encontrar novas alternativas de pesca para indicar um norte
capaz de manter Pirambu como uma das mais importantes bancas
camaroneiras do nordeste.
6. Repensar a atividade pesqueira em Pirambu:
O município de Pirambu, indubitavelmente, ainda é uma das maiores e
mais importantes bancas camaroneiras do Norte-Nordeste do Brasil.
Este título se deve a uma dezena de empreendedores que acreditaram no
potencial pesqueiro deste porto e investiram de forma significativa,
contribuindo para atrair outros investimentos que para cá vieram
contribuir com o desenvolvimento da nossa economia, já há algumas
décadas baseadas fundamentalmente na pesca.
Mas já há bastante tempo à pesca não responde as expectativas da
comunidade no que diz respeito à geração de emprego e no montante da
produção que se previa há pelo menos 15 anos.
Nos últimos anos o município vinha se destacando no campo do turismo.
Paradoxalmente, a pesca não acompanha os mesmos níveis de
desenvolvimento, o que exige um redimensionamento do setor, observando
os mais amplos atores sociais envolvidos.
De acordo com Josué Morais de Souza, ex-presidente da Colônia de
Pescadores de Pirambu, “é preciso ações emergenciais e estratégicas,
como combater o assoreamento do rio, efetivar a dragagem, enfim, encarar
a pesca como a principal atividade econômica de Pirambu e como tal a
que mereça as mais importantes ações dos poderes públicos e da
iniciativa privada”.
Preocupado com a crise da pesca em Pirambu e com a sobrevivência das
comunidades ribeirinhas, o engenheiro de pesca Augusto César Coelho,
coordenador da Reserva Biológica de Santa Izabel, alertou que
“precisamos rediscutir o atual modelo de pesca de arrasto praticado em
Pirambu. Estados como Alagoas e Bahia, por não ter uma política
pesqueira sustentável, já não encontram em suas praias condições de
praticar a pesca e hoje mandam suas embarcações para Sergipe. Se não
tivermos o devido cuidado, no futuro teremos chegado também ao fundo do
poço”, disse.
Segundo ele, não se pode colocar a culpa somente no pescador, “é
preciso que se rediscuta a partir de uma somação de esforços para que
possamos ter continuidade da atividade e das espécies marinhas”.
O poder público municipal não tem feito sua parte, deixando como diz o
ditado popular, ‘o setor morrer a míngua’, o que tem sido lamentável.
Este artigo pretende ser uma metamorfose, devido às necessidades de
atualizarmos a partir de contribuições valiosas dos nossos parceiros
leitores.
Referências bibliográficas:
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do Estado de Sergipe. Aracaju: Superintendência Regional de Sergipe,
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Nota:
(1) Publicado pela primeira vez em 17/10/2004
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Claudomir Tavares (48), é professor concursado das redes estadual em
Propriá e municipal em Pirambu, Licenciado em História (2002), com
Aperfeicoamento (2009) e Especialização (2012) em Gestao de Recursos
Hidricos pela Universiade Federal de Sergipe. É membro do Comitê da Bacia
Hidrográfica do Rio Japaratuba, do Grupo de Estudos e Pesquiusas em
Educação Patrimonial de Pirambu, do Centro de Cultura de Propriá e do Centro de Estudos Políticos e Sociais Karl Marx.